COMO SURGIU A FILOSOFIA?


Considera-se que a filosofia ocidental surgiu através de uma ruptura com a mitologia na Grécia Antiga, por volta do século VI a.C. Atualmente há questionamentos em relação à essa tese, no entanto, é a visão mais cobrada no Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) e demais vestibulares. Futuramente, veremos por aqui outras concepções acerca do surgimento da filosofia. Por ora, vejamos como se desenvolve a ideia de que a filosofia tenha se originado na Grécia Antiga.

Mito e Filosofia

    Segundo a tese oficial acerca do surgimento da filosofia, essa área do conhecimento humano teria se originado na Grécia Antiga opondo-se a um outro sistema de pensamento: a mitologia. Antes de surgir a filosofia, os gregos antigos explicavam a realidade através dos mitos. Muito certamente você já esbarrou com a mitologia grega na cultura popular através de obras como Fúria de Titãs (2010), 300 (2006), Tróia (2004), Percy Jackson (2010), ou animes como Cavaleiros do Zodíaco (1985), ou até mesmo ouvido falar de deuses como Poseidon, Hades ou Zeus. Isso apenas para citar algumas obras que possuem inspiração na mitologia grega e ilustra um pouco como era a visão de mundo dos gregos antigos. 

    Hoje os mitos são tratado como obras de ficção e entretenimento, mas já foram um modo de se explicar a origem das coisas, já foram uma religião e não é algo que desapareceu com o surgimento da filosofia. É importante perceber que para o povo grego antigo e para muitas pessoas hoje em dia, os mitos possuem um valor além do mero entretenimento. Sendo assim, precisamos entender o que é um mito e o que é ter uma visão mítica da realidade. 


O que é um mito e qual é sua função?

    A palavra mito se origina do termo grego mythos que em uma de suas possíveis traduções pode ser chamada de narrativa. Ou seja, o mito é uma história, e geralmente essas histórias contam feitos de deuses, heróis e criaturas fantásticas e sobrenaturais. Só que essa narrativa não é uma simples história, ela pode ser entendida como um processo de compreensão da realidade.

    Vejamos um exemplo brasileiro que ilustra isso.

 O Mito da Cobra Grande
Ilustração de Maciste Costa

    Os indígenas Mawé da região amazônica possuem em sua mitologia uma narrativa que conta que no início só existia o dia. A dona da noite era uma entidade que eles denominavam como Cobra Grande. Um dia, eles se cansaram de tanta luz e foram ao encontro da Cobra Grande pedir para que ela lhes desse a noite. Ela afirmou que atenderia o pedido deles, mas com a condição de que trouxessem para ela o veneno dos pequenos animais como aranhas e escorpiões, por exemplo. Assim eles o fizeram e receberam em troca um coco. A Cobra Grande disse a eles que só abrissem esse coco quando chegassem na aldeia. Durante o caminho, eles ouviram ruídos estranhos saindo do coco. Curiosos, abriram a fruta e assim eles deixaram escapar antes da hora a escuridão da noite, e sem poder enxergar onde estavam, acabaram pisando nos pequenos animais, as aranhas e os escorpiões. Muitos deles acabaram morrendo. 

    Isso é uma narrativa, uma história, mas não é só isso. Essa narrativa traz alguns ensinamentos como, por exemplo, a ideia de que não é bom sair à noite porque é perigoso, você pode acabar se perdendo ou até mesmo morrendo. Ilustra ainda uma característica do ser humano que é a curiosidade e como essa curiosidade também pode ser perigosa. Além disso, essa história ainda explica qual é a origem da noite.  Portanto, nessa narrativa nós podemos perceber algumas características importantes dos mitos: eles estruturam a realidade na medida em que fornecem explicações para as coisas. Explicam de forma alegórica a origem das coisas. Alegoria é uma forma simbólica de se contar outra coisa, ou seja, os mitos também são um sistema de símbolos e significados. Os mitos ainda possuem um papel pedagógico, pois eles educam. No caso do exemplo do mito da Cobra Grande, o mito educa sobre os perigos da noite. Essa narrativas não devem ser tomadas nem como verdade nem como mentira, mas como um processo de interpretação da realidade. 


A passagem do mito ao lógos

    Por volta do ano 700 a.C., os poetas gregos Homero e Hesíodo registraram por escrito boa parta da mitologia grega. Antes deles, os mitos eram transmitidos de forma oral e não havia muito questionamento sobre eles, mas o fato de os mitos serem registrados de maneira escrita vai levar a sociedade grega a uma situação completamente nova, pois a partir do momento em que os mitos foram escritos era possível analisar o que aquelas narrativas estavam dizendo.

    Os primeiros filósofos irão criticar a interpretação da realidade através dos mitos afirmando que as explicações baseadas nessa forma de relato podem ser enganosas e irão propor um novo modo de se explicar a realidade que é investigá-la através do simples uso da razão, do raciocínio, do pensamento sem recorrer às alegorias dos mitos. E a partir do momento em que os gregos começam a defender esse posicionamento em relação à realidade dizemos que ocorre a passagem do mito ao lógosLógos é uma palavra grega que pode ser traduzida como discurso racional, pensamento racional, lógica, linguagem e vários outros significados relacionados à razão. 

    Além da escrita dos mitos, alguns historiadores da filosofia destacam outros processos que teriam sido responsáveis por reforçar essa passagem do mito ao lógos como as navegações marítimas e o crescimento do comércio, são fatores que levaram o povo grego antigo a ter contato com outras culturas, mostrando a eles que haviam outras maneiras de se enxergar a realidade. Outro fator teria sido o surgimento e a consolidação da democracia direta grega, que era uma forma de governo onde o próprio cidadão discursava na assembleia e apresentava quais eram os problemas da cidade e suas possíveis soluções. Como era o próprio cidadão que discursava na assembleia ele precisava dominar técnicas de debate e retórica que demandava um forte uso do raciocínio.

    Também teríamos fatores como a escrita e alfabetização de uma parcela maior da população, o uso da moeda e a lei escrita combinados com a escrita dos mitos ajudando a promover na Grécia Antiga essa passagem da interpretação mítica da realidade para a interpretação racional da realidade. Isso não fez a mitologia desaparecer, mas mudou a relação que o povo grego antigo tinha com a realidade. 

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Raphael Rodrigo

Escritor, Professor e Pesquisador

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