Esse movimento é a constante transformação que observamos na realidade. Tudo o que está à nossa volta está o tempo todo se modificando, nada permanece sendo o que é ao longo do tempo, as coisas surgem e desaparecem, os seres vivos nascem, crescem, envelhecem e morrem; tudo isso caracteriza o devir.
Mas por que isso é um problema?
Ora, se as coisas estão se transformando o tempo todo, como podemos ter um conhecimento efetivo sobre a realidade?
A partir dessa problemática do movimento, algumas questões serão levantadas pelos primeiros filósofos: como são possíveis as transformações? Como podemos conhecer a realidade se ela é feita de contradições? O que provoca o movimento de transformação que percebemos na realidade?
Os primeiros filósofos irão chegar à conclusão de que deve haver um princípio que ordena a realidade tal como ela é. Esse princípio estaria presente em todos os seres, em todas as coisas, permeando toda a realidade. A esse princípio eles deram o nome de Arché.
Arché é o princípio de todas as coisas, a substância primordial de onde tudo nasce e para onde tudo retorna ao deixar de ser, e essa ideia de que há um princípio ou substância por trás de todas as transformações da realidade será um ponto em comum no pensamento dos primeiros filósofos. Como esse princípio está em todas as coisas e seres, estará também presente em nós, portanto, esse princípio pode ser conhecido pela nossa razão. Em nosso canal, temos uma videoaula sobre o conceito de arché. Confira logo abaixo.
Para que isso fique mais claro, analisemos o pensamento de alguns filósofos que trataram sobre o tema.
Tales de Mileto
Dentro da história da filosofia ocidental, Tales de Mileto (624-546 a.C.) é considerado o primeiro filósofo. Tales considerou que o princípio de onde tudo se origina, a arché, seria o elemento água. Tudo o que existe necessita de água para sobreviver, para existir e se desenvolver, mas a água enquanto arché, não é a água em estado líquido como pensamos, mas sim em todos os seus estados físicos. Tales chegou à essas conclusões a partir de observações e do uso de seu próprio raciocínio sem recorrer à mitologia. A ideia de que a água é fundamental para a existência parece algo simples de se imaginar hoje em dia, mas para a época em que Tales viveu, em uma sociedade que explicava a origem das coisas através das alegorias dos mitos, essa ideia que Tales traz é totalmente inovadora.
Anaximandro
Anaximandro de Mileto (610-546 a.C.) foi discípulo de Tales, no entanto, chegou à conclusões diferentes das de seu mestre. Para esse filósofo, a arché seria algo que ele chamou de ápeiron, que pode ser traduzido como ilimitado ou indeterminado.
O que Anaximandro queria dizer com isso?
Tudo o que existe na realidade é finito, delimitado, determinado. Para Anaximandro, a realidade se transforma através de oposições, passando de um oposto ao outro. Um exemplo bem simples: se você esquentar água, obviamente que ela irá ficar quente, mas em alguns minutos a temperatura da água irá passar para seu oposto, que é o frio. Se nós estendermos esse exemplo e o radicalizarmos, podemos pensar o seguinte: se tudo o que existe é limitado, determinado ou finito, então tudo o que existe só pode ter surgido de seu oposto, que é o ápeiron.
O ápeiron não pode ser definido com clareza, porque nós, como seres finitos e determinados, não conseguimos definir com precisão algo que é infinito, ilimitado ou indeterminado.
Anaxímenes
Anaxímenes de Mileto (588-524 a.C.), outro filósofo do mesmo período, também chegou à conclusões diferentes sobre o que é a arché. Para esse filósofo, a arché seria o ar. Para Anaxímenes, o ar é algo que está em constante movimento e tem a capacidade de se condensar e se transformar em outras coisas e estaria, portanto, presente em tudo que existe.
Respostas bobas?
De onde estes filósofos tiraram essas ideias?
Eles chegaram à essas conclusões através da observação da realidade, usando o próprio pensamento. Nós sabemos hoje que essas conclusões às quais eles chegaram não estão totalmente certas. Mas então, por que estudarmos o pensamento deles?
Porque a importância deles para a história do pensamento é esse pontapé inicial que estes pensadores deram de tentar entender as coisas usado somente a própria capacidade de raciocínio. As conclusões às quais eles chegaram podem parecer bobas ou absurdas, mas foram eles que iniciaram o processo de tentar entender a realidade tal como ela é. Reforçamos: para uma sociedade que explicava a realidade através das alegorias mitológicas, abandonar esse modo de explicação e usar somente a própria razão, foi algo inovador.
Além disso, esse movimento de abandono dos mitos na explicação da realidade mostra que para surgir ideias novas, às vezes é preciso questionar aquilo que todos consideram certo e estudar e observar as coisas como elas realmente são.
Tudo é Um
O que tem em comum entre Tales, Anaximandro e Anaxímenes?
É a ideia do uno. Eles defendiam que existe apenas uma substância ou princípio que dá origem à tudo o que existe, por esse motivo, Tales, Anaximandro e Anaxímenes são considerados filósofos monistas em relação à arché. Mono quer dizer aquilo que é único ou um só. Tudo surge de um elemento primordial e tudo retorna para esse mesmo elemento. Tudo possui a mesma fonte, necessita dessa fonte para sobreviver e retorna para essa fonte ao desaparecer.
Demócrito e o Pluralismo
No entanto, existiram também entre os primeiro filósofos, aqueles que chamamos de pluralistas. Ao contrário dos monistas, os pluralista irão afirmar que o fundamento da realidade não se encontra em apenas uma substância, elemento ou princípio, mas sim em vários, pois a realidade é muito complexa para ser formada apenas a partir de um único elemento.
Dos filósofos pluralistas do período antigo, podemos citar Demócrito de Abdera (460-370 a.C.). Demócrito considerava que a realidade era formada por partículas minúsculas que não conseguimos enxergar. Essas partículas existem de tamanhos e formas variadas; elas são eternas, isso significa que quando as coisas morrem ou desaparecem, elas não deixam de existir, apenas se desintegram para futuramente juntarem-se novamente e formar coisas novas.
Essas partículas imperceptíveis aos nossos olhos foram chamadas por Demócrito de átomos. Em grego, átomo significa aquilo que é indivisível.
Você deve se lembrar de ter ouvido falar de átomos nas aulas de Ciências ou Química. Geralmente o átomo é representado como aparece na imagem abaixo, com um núcleo e vários elétrons girando ao seu redor.
Mas não era isso que Demócrito imaginou ao falar sobre os átomos, essa é a representação que usamos hoje. Se fossemos usar uma representação para comparar o que Demócrito queria dizer por átomo, seria algo parecido com peças de lego.
As peças de lego possuem formas e tamanhos diferentes e podemos juntá-las e combiná-las de várias formas. Sendo assim, a realidade, para Demócrito se formaria a partir de pecinhas imperceptíveis aos nossos olhos formando toda a complexidade que conseguimos enxergar à nossa volta.
Esses foram apenas alguns exemplos de filósofos importantes durante o período pré-socrático da filosofia. Esses filósofos são conhecidos como pré-socráticos por dois motivos:
1) Viveram em um período anterior a um filósofo bastante importante chamado Sócrates;
2) Discutiam temas diferentes dos quais Sócrates abordava. Alguns desses filósofos ditos pré-socráticos viveram na mesma época de Sócrates, mas são classificados com anteriores a ele por uma questão temática.
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Bons Estudos!
Você também pode assistir esse conteúdo no formato de videoaula, confira abaixo.